meu avô colhia
minha avó cuidava
eu sorria
e sonhava
Abandonai toda a esperança, vós que entrastes
talvez o que eu peça esteja distante demais
talvez esteja tocando a superfície do céu
testando o limite do que pode ser pedido pelos mortais
então hoje eu reduzo minha preces
gostaria somente de escolher o meu sonho
e que a sensação inerte do descanso ainda perdure por alguns segundos quando acordo
antes que eu me lembre de todos que partiram
antes que essa dor tão antiga e enraizada se mostre novamente
de vez em quando acho até engraçado como a morte é algo tão misterioso
é a única certeza que temos da vida, afinal
deveria ser tão simples quanto olhar para a lua
ou ver um cavalo correndo pelos campos
essas coisas ancestrais que alimentam a alma e nos lembram de que somos mais bicho do que gente
acredito ter feito as pazes com o meu próprio fim ainda na infância
lembro-me de quando era pequeno e disse para a minha avó que não gostaria de viver depois que ela e meu avô se fossem
ela me disse para esquecer isso
que pensar na morte é coisa de gente velha
bem, sou mais velho hoje
e meu sonho é simples
ou deveria ser
é andar novamente pelos corredores da casa em que cresci
sentindo o ar frio da minha terra
e vendo meus avós sentados no sofá
tudo pareceria completo e infinito novamente
como uma criança a brincar e ver o mundo
estou tão cansado...
Sonhei sonhos de pedra: duros e incapazes de apaziguar a minha mente.
Acreditava ser capaz de demonstrar às pessoas o quanto elas significam para mim. E errei novamente. Farei diferente no tempo que me resta.
Algumas semanas? Talvez. Sinto minha morte tão próxima... Mas deixarei para falar dela em outro momento — ou então não falarei nunca. Ocupei muito de minha mente pensando no meu próprio fim.
A tragédia da minha vida sempre foi a possibilidade de não morrer antes das pessoas que amo. Não queria viver o luto pelo meu avô. Não queria viver o luto do meu amigo. Não quero viver o luto de minha avó.
Meus pensamentos estão em um transe desgovernado há mais de dez anos. Agora sinto-me quase numa infância revelada, nua, uma nostalgia incomum até mesmo para um nostálgico como eu — e que toma conta dos meus sentidos. Perdi parte do meu espírito quando meu avô se foi. Perdi parte da minha história agora que um de meus melhores amigos também deixou este mundo.
Que a magia — do solo que pisamos, desta vida, do que há além — me conceda uma chance de transmitir a vocês aquilo que meus lábios foram letárgicos ou temerosos em dizer: eu te amo.
Eu te amo.
Eu te amo.
Eu te amo.
Que meus mortos descansem em paz.
Estou chegando.
não temo as sombras que virão
no dia que se encerrar a minha vigília
o que amo me espera na próxima vida
minhas náuseas e tormentos irão se misturar à terra
que beijarei de braços abertos
a minha terra
os meus mortos
o seu sorriso e meu
pranto